quinta-feira, 6 de abril de 2017

Desmonte de Temer na Funai extingue coordenações e ameaça índios da Amazônia


O governo já cortou recursos para o atendimento dos povos isolados, que são ameaçados por garimpos, madeireiros e narcotraficantes

Povo Yanomami em protesto em Boa Vista, em 2016/ Yolanda Simone Mêne

O governo de Michel Temer demitiu 87 servidores de cargos comissionados da Fundação Nacional do Índio (Funai) e extinguiu 51 Coordenações Técnicas Locais (CTLS), sendo que 40 atendiam índios de áreas remotas da Amazônia, inclusive onde há a presença de povos isolados, que não têm contato com a sociedade nacional, e cujos territórios sofrem pressões de garimpos, grileiros, madeireiros, fazendeiros e narcotraficantes.
O anúncio da extinção de cargos e remanejamento de funções foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) no último dia 24 de março, pelo Decreto nº 9.010. A lista com os nomes dos servidores exonerados e das coordenações regionais e técnicas extintas deve ser publicada ainda nesta semana no DOU, segundo a assessoria de imprensa da Funai.
A Amazônia Real teve acesso a lista antecipadamente. Entre as CTLs extintas estão as de Barcelos e São Gabriel da Cachoeira (Alto Rio Negro), Atalaia do Norte (Vale do Javari), no Amazonas, e Boa Vista, em Roraima. Essas coordenações atuam junto à Frente Etnoambiental que protegem e monitoram índios isolados, como os Moxihatëtëa, da Terra Indígena Yanomami, que têm o território invadido por garimpos de ouro, e os Korubo, da TI Vale do Javari, que são ameaçados por madeireiros na fronteira do Brasil com o Peru.
Contato de grupo de indios Korubo em setembro de 2015 (Foto: CGIIRC/Funai)
Contato de grupo de indios Korubo em setembro de 2015 (Foto: CGIIRC/Funai)
Em outubro de 2016, conforme publicou a agência Amazônia Real, o governo Temer já tinha limitado o orçamento da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC), pelo decreto no. 8.859, quando cortou em 38% os recursos para custeio e investimento da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Em Rondônia, com o novo corte, o governo Temer extinguiu as CLTs Cacoal, Espigão do Oeste, Rolim Moura e a Frente da CLT Mirante da Serra, além da CFPE Uru-Eu-Wau-Wau. Desde 2016, o território desse povo é invadido por grileiros, madeireiros, fazendeiros e pequenos produtores, conforme os indígenas denunciaram em reportagem da Amazônia Real (leia aqui).
No Acre, foi extinta a CTL Cruzeiro do Sul, vinculada à Coordenação Regional Juruá. No Pará, três CTLs que atendia o povo Kayapó foram extintas. O mesmo aconteceu com uma CTL que atendia o povo Munduruku, no Tapajós.
Na Coordenação Regional do Noroeste do Mato Grosso, área de pressão do agronegócio, foram extintas três CTLs, uma em Aripuanã e duas em Juína. A CR Xavante, também no Mato Grosso, teve três CTLs extintas.
O governo também ainda vai exonerar 35 servidores efetivos. Eles perderão os cargos comissionados, conhecidos como D.A.S., cumprindo outras funções no órgão. O desmonte na Funai também vai afetar coordenações vinculadas à Diretoria de Proteção Territorial e Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, responsáveis pelas demarcações de terra e por atividades de fomento, garantias de sustentabilidade e segurança alimentar dos indígenas, respectivamente.
Marcos Apurinã, que é representante dos povos indígenas de Rondônia no Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), o desmonte da Funai pelo presidente Michel Temer é refletido pelo atual chefe da fundação Antônio Costa. “Ele tem uma função figurativa, com o poder de mando do órgão concentrado nas mãos das bancadas ruralista e evangélica da Câmara dos Deputados. O presidente da Funai não manda na Funai. Quem manda são as bancadas [ruralista e evangélica]. Temos uma Funai que não trabalha para os povos indígenas, mas para os interesses do agronegócio”, afirma Marcos Apurinã, que também preside a Associação Nunerimane do Povo Indígena de Rondônia (ANPIR).
Para Marcos Apurinã, o governo de Temer é ditador, que não respeita a Constituição. “Essa é uma política destruidora, que vem como um rolo compressor para desfazer aquilo que nós construímos nas décadas de 1980 e 1970, que nossos antepassados construíram. O governo acabou de cavar a sepultura para jogar a Funai lá dentro”, completa Marcos Apurinã, uma das principais vozes do movimento indígena na Amazônia.
O anúncio do governo Temer sobre os cortes de cargos comissionados e da extinção de CLTs deixaram as lideranças indígenas revoltadas. Elas reclamam que a Funai já sofre com um número de funcionários abaixo do necessário para as ações de vigilância das terras indígenas, muitas delas de difícil acesso.
Na última segunda-feira (03), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) divulgou uma nota de repúdio contra a medida. Diz trecho da nota: “Esse Decreto legitima mais um ataque do Governo ANTI-INDÍGENA (sic) de Michel Temer, em concordância com o então Ministro da Justiça, Osmar Serraglio, e Antônio Costa, atual Presidente da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, reforçando o claro objetivo deste Governo em desmontar a FUNAI e acabar com a política indigenista no país. O Governo Federal e o Congresso Nacional, com sucessivos ataques aos direitos dos povos indígenas, vêm enfraquecendo a política institucional de defesa dos direitos dos povos indígenas e com este último GOLPE intensifica o processo de EXTINÇÃO do órgão indigesta.”
Para a coordenadora da Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental, organização que atua junto aos índios Uru-Eu-Wau-Wau e Suruí, em Rondônia, Ivaneide Bandeira, com esta medida, o governo de Michel Temer está “estrangulando e matando a Funai devagar”. Ela conta que em Rondônia, os Uru-Eu-Wau-Wau sofrem com invasão e garimpo e os Suruí com retirada de madeira. Para Ivaneide, a decisão de cortar o quadro da Funai vai deixar a área indígena ainda mais impactada.
“Está se retirando o pouco que tinha. Escancara a falta de proteção. Como que a Funai vai cumprir a função dela de proteção sem ter condições técnicas, de pessoal, de equipamento? Há muitos anos o governo quer acabar com a Funai. Mas se acabar de uma vez, vai gerar repercussão ruim. Então está estrangulando a Funai devagar. Não vai restar muita coisa para a Funai da forma como está. Quando cobrar, ela vai ter sempre a mesma resposta. ‘Estou sucateada, não tenho orçamento’. Isso para fugir de todos os protestos, dos indígenas, indigenistas de todos os lugares”, disse Ivaneide.
Amazonas é um dos mais atingido
O estado do Amazonas, que tem uma população de 168 mil índios, segundo o Censo do IBGE (2010), foi o que perdeu o maior número de CTLs, oito no total. Duas na região do Solimões, quatro na região do Alto Rio Negro (duas delas de atuação específica para índios isolados) e uma na Terra Indígena Vale do Javari, área com maior referências de presença de índios isolados do país.
Segundo o presidente da Foirn, Marivelton Barroso, a CTL Maturacá, que responde por indígenas Yanomami que vivem no Alto Rio Negro, no território do Amazonas, também foi extinta, mesmo não estando na lista oficial da Funai.
O número de indígenas que ficarão desassistidos pode ser bem maior. O supervisor de disseminação do IBGE no Amazonas, Adjalma Nogueira, diz que este número do Censo está defasado, pois a população indígena aumentou nos últimos sete anos. O IBGE, contudo, não atualizou os dados.
A região do Alto Rio Negro, no norte do Amazonas, tem 40 mil indígenas, de 23 etnias. É a área do país com maior diversidade étnica, de povos como Baniwa, Tukano, Baré, Wanano, Dessana e Pira-Tapuya. Somente a CTL de Santa Isabel do Rio Negro, localizada em Barcelos, atende cerca de 4 mil indígenas. A CTL de Barcelos (também conhecida como CTL do Xié), é responsável por 3 mil pessoas. Ambas foram extintas.
“Um total de 18 mil pessoas ficarão à mercê, sem assistência alguma, sem acompanhamento, no Alto Rio Negro. Aqui é uma área localidade da tríplice fronteira, com muita pressão de garimpo, empresas de turismo, além de problemas com tráfico”, disse Marivelton Barroso, que se mostrou indignado porque o presidente da Funai não atendeu um pedido feito por ele, em reunião ocorrida no dia 24 de março, em Brasília.
“A gente se reuniu com o Antônio Costa e disse a ele que a Coordenação Regional do Rio Negro já sofria com deficiência no quadro e que acabar com CTL teria um impacto muito negativo”, afirmou Barroso.
Para Marivelton Barroso, os danos podem ser maiores, porque as CTLs não extintas foram transformadas em FCPE (Funções Comissionadas do Poder Executivo), que só podem ser ocupadas por servidores efetivos. “Será que a Funai tem esses servidores disponíveis?”, questionou.
A Coordenação Regional Solimões, no Amazonas, atua junto a 18 etnias e uma população de 85 mil indígenas de 15 municípios, cujo território é acessado apenas por via fluvial. Com a extinção das duas CTLs, cerca de 45 mil indígenas que habitam a região do Alto e Médio Solimões ficarão sem cobertura de assistência da Funai, segundo a coordenadora regional Mislene Mendes, indígena da etnia Ticuna.
“A gente tem mais de 80 processos de regularização fundiária pendentes. Atualmente a CR conta com três servidores de nível superior e dois de nível médio em exercício na CR. Agora a gente acabou de perder nove DAS. Eram três servidores Ticuna na sede da Coordenação Regional e nas duas CTLs extintas. Estamos de mãos atadas e vamos ver como vamos enfrentar isso”, disse Mislene Mendes.
Ela afirmou que a medida vai comprometer a ação da política indigenista da Funai, que já estava “precarizada”. “Quem sofre com isso são os indígenas que vivem nas suas bases, nas suas terras”, disse.
Em uma carta aberta recebida pela Amazônia Real, servidores da CR Solimões questionaram a medida da fundação.
Segundo a nota, a Coordenação Regional Solimões foi a mais atingida pelos cortes de D.A.S da Funai, mantendo apenas 25% destas funções nas CTLs que não foram extintas. A nota diz que o corte acabou com duas CTLs. Em Tabatinga, que atende 25 mil indígenas (Ticuna, Kokama e Kanamari) e em Santo Antônio do Içá e Amaturá, com cerca de 15 mi, indígenas (Ticuna, Kokama, Kaixxana, Kambeba e Witota).
“Não entendemos por que tamanho flagelo é aplicado aos povos Ticuna, Kokama, Kambeba, Kaixanas, Kanamaris, Katukinas, e outros do Alto e Médio Solimões. Porque estes povos pagam sempre a conta mais alta na hora de dividir o prejuízo?”, diz a nota.
Liderança do Rio Negro é demitida
Uma das lideranças mais respeitadas da região do Rio Negro, no norte do Amazonas, o indígena André Fernando, da etnia Baniwa, é um dos servidores que foi demitido pela Funai. Ele trabalhava como assistente da CR Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira. Em entrevista à Amazônia Real ele repudiou as mudanças no órgão.
“Aqui foram extintas as CTLs de Santa Isabel do Rio Negro e a CTL da Foz do Xié, de Barcelos. E as duas CTLs da Frente de Proteção Ambiental Yanomami. Extinguiram cargo de assistente técnico e chefe do Segat (Serviço de Gestão Ambiental e Territorial). Só ficaram CTL Tunuí Cachoeira, Taracuá e Iauaretê. A CTL de Massarabi foi remajenada para Santa Isabel do Rio Negro. Reduziram a CR Rio Negro a pó”, disse Baniwa.
Para ele, a medida é resultado da interferência de políticos anti-indígenas e do agronegócio, que estão aproveitando a crise para prejudicar os indígenas e seus direitos com as exonerações.
“Argumentam em cima de planejamento, de necessidade de cortes e mais cortes por causa da dívida que eles mesmos criaram. Essa situação é negativa aos povos indígenas. Parece estar dentro das estratégias traçadas pelos inimigos dos indígenas”, afirmou.
Para o presidente da Foirn, Marivelton Barroso, a demissão em massa de servidores da Funai é resultado de várias tentativas de desestruturação da política indígena do país feitas pelos últimos governos.
“A assinatura destes decretos [com a extinção dos cargos] é para deixar praticamente a Funai inoperante neste país”, disse Barroso. “O governo acaba não dando prioridade de fortalecer o órgão indigenista responsável pela política [indígena] do país. A gente fica preocupado com essa situação porque acaba que nada se pode fazer, e cada vez mais se fragiliza o órgão”, avalia o líder indígena do Alto Rio Negro.
Letícia Yawanawa, presidente da Organização de Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia, afirmou que este é um dos piores momentos pelo qual passam as políticas indigenistas do Brasil.
“Nunca se viu na história no Brasil um retrocesso tão grande como esse do governo Temer da perda dos direitos dos povos indígenas”, disse Letícia Yawanawa, de Tarauacá, no Acre. “O governo Temer trata a nossa questão como se não existíssemos.”
“É um genocídio a cada dia, a cada ano, a cada vez mais. Em 50 anos de Funai nós nunca vimos tantas perdas como estamos vendo agora. Direitos que foram conquistados a partir de lutas ao longo destes anos estão se perdendo. Nós vamos lutar até o último índio. Nós existimos e resistimos”, ressalta a militante indígena.
O que a Funai diz?
Presidente da Funai Antônio Costa em reunião com índios Kayapó (Foto: Mário Vilela/Funai)
Presidente da Funai Antônio Costa em reunião com índios Kayapó (Foto: Mário Vilela/Funai)
Em mensagem publicada no site da Funai, o presidente do órgão, Antônio Costa, diz que cortes e as extinções das 51 Crs cumprem o Decreto 9.010 publicado no DOU. Costa diz que “lamenta os cortes” e que “trabalhará para que o impacto da medida não desqualifique o trabalho que vem sendo desenvolvido em prol das comunidades indígenas e de suas 305 etnias existentes no Brasil”.
Ele diz ainda que a Funai sendo realizado “um alto estudo entre as diretorias para equacionar as perdas e solucionar as consequências dos danos em todas as regiões. Esses remanejamentos têm por objetivo criar uma estrutura sólida e eficiente na prestação de serviço das coordenações regionais.”
Nesta quarta-feira (05), a Funai publicou uma nota em seu site dizendo que Antônio Costa vai se reunir nesta quinta-feira (06) no Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPOG) com o objetivo de “amenizar os impactos do Decreto 9.010 na estrutura funcional da instituição, principalmente no que se refere às Coordenações Técnicas Locais”.
Postado por: Giovana M. de Araújo

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Apesar de críticas, floresta sob concessão é melhor que floresta devastada

A Floresta Nacional de Tapajós do alto, que é uma das mais antigas do país com plano de manejo. Foto: Flávio Forner/InfoAmazonia

Cerca de 200 mil metros cúbicos de madeira devem ser produzidos este ano em florestas públicas concedidas pelo governo federal na Amazônia – aproximadamente 2% do total produzido na região, conforme o Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Apresentado como alternativa sustentável, o regime de concessões prevê que daqui 30 anos, quando máquinas voltarem às áreas exploradas, a mesma composição de floresta será encontrada. Mas a natureza não obedece às leis determinadas pelo homem. E este tempo já é considerado curto para a recuperação total da área.
O engenheiro florestal Niro Higuchi afirma que estudos mais recentes indicam que este ciclo de 30 anos não é sustentável. Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT)  Madeiras da Amazônia, Niro diz que estudos mais recentes já demonstraram que a floresta precisa de mais tempo para se recompor.
“Experimentalmente, eu diria que o ciclo ideal seria de 40 anos. Mas, para colocar em lei, eu colocaria 50 para não errar”, defende o pesquisador, que cita o caso da Mil Madeireira, empresa que maneja florestas na região de Itacoatiara, na Região Metropolitana de Manaus. Por lá, o ciclo previsto pela autorização é de 25 anos. Mas já se sabe, de acordo com Niro, que este tempo é curto e que aumentar para 30 anos não é suficiente. “Não tem a mínima chance da floresta voltar a ser o que era”, afirma.
O engenheiro destaca que o ciclo atual não permite à floresta recuperar o mesmo conjunto de árvores retiradas. Um dos motivos é a variedade de espécies, cada uma crescendo em um ritmo diferente. Niro lembra que o ciclo de 30 anos foi definido com base no conhecimento que se tinha na época da elaboração da Lei de Gestão de Florestas Públicas, há mais de uma década. Os dados eram obtidos em experimentos de dez anos ou pouco mais. “Tanto que a primeira regulamentação, não tinha ciclo de corte, para a gente aprender”, recorda. “Mas, logo em seguida, começaram a colocar, a fazer uma receita de bolo”.
Em defesa das concessões
Apesar das críticas ao ciclo de corte, o modelo é defendido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), responsável pelas concessões e acompanhamento das empresas escolhidas para explorar madeira em florestas nacionais. As concessões de florestas públicas são vistas como um caminho econômico e também de proteção da floresta pois, além de permitir o uso “sustentável”, cria um sistema de proteção para as áreas concedidas, com a presença da empresa concessionária.

Postado por Giovana M. de Araújo