Por Michelle Portela, de Manaus* Agência FAPESP – O imaginário amazônico cultiva a lenda do boto como um patrimônio. Quem nasce na região cresce ouvindo que eles saem da água, transformam-se em homens, usam chapéu para esconder um orifício na cabeça e seduzem jovens donzelas.
Agora, pesquisadores acabam de comprovar a lenda, pelo menos no lado da sedução. Segundo estudo feito por Vera Maria Ferreira da Silva, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), e Tony Martin, do Serviço Antártico Britânico, essa é a arma usada por botos para conquistar fêmeas.
A corte registrada pelo Projeto Boto revela o segundo caso de comportamento cultural dessa espécie de cetáceo em todo o mundo. Os pesquisadores estudaram durante três anos o comportamento de 6 mil grupos de botos tucuxi (Sotalia fluviatilis) na região da reserva de Mamirauá, no município de Tefé, oeste do Amazonas.
O Projeto Boto é desenvolvido no âmbito de um projeto maior, o Estudo da Biologia e Conservação da Mastrofauna da Amazônia, no Inpa. Conta com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), por meio do próprio Inpa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação Boticário, do Programa Ipê e da Petrobras.
Os pesquisadores identificaram que, em mais de 200 dos grupos, os golfinhos de água doce transmitiam práticas culturais de geração a geração. “Foi aí que percebemos que essa cultura estava associada à atividade sexual”, disse Vera.
Em cada grupo, pelo menos um boto carregava objetos no bico para presentear a fêmea, sempre em idade adulta e pronta para a reprodução, tais como plantas ou pedaços de pau.
“Era forte a sugestão de que se tratava de um comportamento sexual. A ocorrência de agressões entre machos era até 40 vezes maior do que nos grupos de botos que não ofereciam objetos às fêmeas”, afirmou a pesquisadora.
Os resultados da nova pesquisa foram divulgados inicialmente pela New Scientist, em 6 de dezembro, e apresentados em seguida durante encontro sobre golfinhos de água doce na África do Sul com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
Segundo Martin, até hoje apenas em humanos e chimpanzés foi observado comportamento semelhante. “Isso é tão incomum que muitos colegas se mostraram céticos na primeira vez que sugerimos a idéia, mas agora a evidência é enorme”, disse à New Scientist.
*Repórter da Agência Fapeam