segunda-feira, 16 de junho de 2008
Governadora Julia Carepa, do Pará, quer dividir a conta da preservação da Amazônia com estados e países mais ricos
FABIANA FUTEMA
editora de Brasil da Folha Online
A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), quer colocar na conta dos mais ricos o preço da preservação da Amazônia. Para ela, a fatura tem de ser dividida entre os Estados mais ricos do país e os países mais desenvolvidos.
"A Amazônia é grandiosa e precisa de uma solução com a grandiosidade da Amazônia. É mais que justo que os países paguem [pela sua preservação]. Num primeiro momento, não posso apresentar a conta, obrigá-los a pagar. Mas posso colocar minha posição até para dizer: vocês já destruíram as suas florestas, não têm moral para falar absolutamente nada para nós", disse ela em entrevista para a Folha Online. "Precisamos usar Isaac Newton: ter uma força com mesma intensidade [do desmatamento] no sentido contrário para evitar a destruição da Amazônia."
27.nov.2007/Folha Imagem
Ana Júlia Carepa (PT), governadora do Pará, quer que os países ricos e Estados do Sul e Sudeste ajudem a preservar a Amazônia
Ana Júlia Carepa (PT), governadora do Pará, quer que os países ricos e Estados do Sul e Sudeste ajudem a preservar a Amazônia
O argumento dela é que todos se beneficiam da Amazônia e por isso o preço da sua preservação não pode recair somente pelos Estados da região. "É necessário que todos entendam que essa é uma responsabilidade de todos. Se a Amazônia preservada cria benefícios que atingem toda a população, é justo que só população que mora ali pague por isso? Claro que não", disse ela.
Para justificar a necessidade dos mais ricos assumirem parte da conta, Ana Júlia afirma que são eles, por meio do consumo, que contribuem para o desmatamento da Amazônia. "Não é a pobreza que pressiona a floresta, se pressiona é ínfimo. Quem pressiona a floresta é a riqueza, é o consumo."
Ana Júlia sugere a criação fundos nacionais e internacionais para financiar a preservação da Amazônia. "Não adianta pegar US$ 1 milhão e financiar um projeto que alivia a consciência dos países desenvolvidos do mundo, mas que não resolve nada. Ou querem contribuir e precisam contribuir garantindo nossa soberania."
Para a Ana Júlia, os países ricos têm de ajudar financeiramente sem impor condições nem participar da destinação desses recursos. "Eles não têm o direito de opinar porque não têm moral. Eles já destruíram suas florestas. Eles têm que contribuir, mas quem vai gestar os recursos somos nós, com mecanismos e regras."
Já a fatura nacional, segundo ela, poderia vir de parte do FPE (Fundo de Participação dos Estados) Verde para Estados que possuem unidades de conservação da natureza ou terras indígenas demarcadas --a proposta está tramitando na Câmara dos Deputados. A paraense defende que o FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional), discutido junto da reforma tributária, também tenha esse tipo de destinação.
Segundo ela, o Pará já está discutindo a repartição do ICMS com os municípios do Estado com base em critérios ambientais. "Por que não incluir no fundo de desenvolvimento regional um percentual, um mecanismo ambiental? Nós estamos discutindo isso dentro do Estado, na parte da legislação estadual. Um terço do que é repassado aos municípios seriam destinados levando em consideração unidades de conservação e reservas indígenas."
Ana Júlia diz que o Sul e Sudeste não podem reclamar da criação de fundos que privilegiam os Estados da chamada Amazônia legal, pois são os maiores consumidores da madeira ilegal extraída na Amazônia. "Todos têm que colaborar. Não adianta outras regiões do país, que são consumidoras, reclamarem. Grande parte da madeira ilegal que sai do Pará está no Rio, São Paulo, na regiões Sul e Sudeste do país."
Para ela, a reforma tributária pode regulamentar a criação dos fundos de financiamento da preservação da Amazônia. "Espero que tenhamos coragem de aprovar [a reforma tributária]. Passei quatro anos no Senado, mas não conseguimos aprovar reforma porque ninguém quer perder. Todo mundo quer diminuir, pagar menos e receber mais. Não tem milagre."
Veja abaixo outros trechos da entrevista:
Folha Online - Você acredita nas denúncias de suposta pressão exercida sobre a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) sobre a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para a venda da VarigLog para um fundo norte-americano?
Ana Júlia - Eu não acredito nisso. Há pessoas que não entendem que o Brasil precisa ter orgulho do próprio Brasil. Só sabem divulgar e atacar. Isso é ruim para imagem do Brasil lá fora. As pessoas não entendem por que outros países têm uma auto-estima grande, porque qualquer notícia boa ganha manchete. Aqui é o contrário. Quando é divulgada, a notícia boa ganha rodapé [de jornal]. A oposição vai bater em qualquer pessoa que a oposição pense que vai ser candidato. Vai bater, caluniar, mesmo que não tenha um indício concreto. Mesmo que não tenha nada vai tentar bater para derrubar. Vai tentar derrubar porque ela é ministra compete. Tem levado o programa mais importante do governo, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que está levando recurso importante para nossa região.
Folha Online - Para 2010, Lula ou Dilma? A senhora já defendeu o terceiro mandato para o presidente Lula.
Ana Júlia - O presidente Lula não pode ser candidato. Disse que o povo no meu Estado quer Lula candidato. Fiz esse comentário. Lula não pode e não quer. Acho cedo para falar de candidatura em 2010. O partido está trabalhando, tem vários nomes aí. Vários nomes no país. Se a Dilma for candidata do partido vai ter 150% do meu apoio.
Folha Online - Como está a relação do Estado com a Vale? No episódio de invasão da estrada de ferro de Carajás houve um estranhamento?
Ana Júlia - Acho que a Vale extrapolou, colocou uma situação que não era verdadeira. Tanto que reconheceu depois isso. Tanto que teve uma situação diferenciada em outra situação. Sabe que o governo está atuando sim. Nós continuamos tendo relação que não é de bravata, é de respeito. Uma relação na qual não queremos nada deles além deles pagarem o que é justo, que é devido, inclusive a compensação ambiental, que nunca tinha sido cobrada da Vale. E nosso governo está cobrando. Mas que possam ser parceiros do desenvolvimento. Até porque sabemos que a exploração mineral tem conseqüências para o ambiente. E eles estão dispostos a isso. Estamos em outro patamar [de relação]. Essa questão [da crítica à eficiência do Estado em relação à segurança] está superada."
Folha Online - Quais são seus planos para 2010? Vai tentar a reeleição?
Ana Júlia Carepa - Está muito cedo para falar de 2010. Passei quatro anos no Senado: meu 1º discurso foi necessidade novo modelo de desenvolvimento pra Amazônia. Não pode só exportar emprego, exportar matéria-prima. [...] O Estado não desenvolvia sua vocação de economia florestal. Não só reflorestamento quanto de produtos da floresta. Pela primeira vez governo brasileiro teve política de preço mínimo para produtos florestais. Mas no Brasil, a legislação, a política da reforma agrária não valorizam os produtos da floresta. O Pronaf... 70% do financiamento do Pronaf é de boi. E o Pronaf é um programa de agricultura familiar.
Folha Online - Logo depois de vencer as eleições, a senhora disse que foi vítima do machismo. Essa percepção continua?
Ana Júlia - Existe preconceito contra as mulheres. Isso é real, é concreto. Ser mulher, ser do PT, ser da região Norte, infelizmente amplia preconceito.
Folha Online - As acusações de nepotismo no governo foram superadas?
Ana Júlia - Houve foi uma campanha de difamação. Fui a única governante até agora a receber um documento do Ministério Público de governadora que combate o nepotismo. Isso não foi divulgado. O documento elogiando minha postura... Isso não foi colocado. Fui a única que agiu, que combateu, que tomou medidas contra o nepotismo. Fui vítima de campanha de difamatória, pior que preconceito.
Folha Online - Mas as denúncias eram verdadeiras, não?
Ana Júlia - A única situação que poderia ser colocada foi imediatamente afastada.
Folha Online - A senhora assegura que não existe mais nenhum caso no Pará de prisão de mulheres e homens na mesa cela?
Ana Júlia - Talvez o Pará seja um exemplo em segurança hoje. Só que é tratado diferente de outros lugares do Brasil onde situações absurdas acontecem e não têm a mesma repercussão. Acho que foi terrível, abominável, inaceitável. Como governadora, não vamos permitir que uma situação dessas possa ocorrer. Quando ocorreu, eu não tinha conhecimento. E quando tomei conhecimento, ela não estava mais lá. Já tomamos as atitudes necessárias. Afastamos, abrimos processo, há 12 indiciados. Agora, só depende da Justiça. Fizemos o dever de casa, inaugurei uma delegacia com tudo que é necessário. O padrão será esse daqui para frente: cela masculina, cela feminina e local adequado para receber menores. Não tenho dúvida que hoje, no Pará, qualquer delegado sabe que se acontecer de novo vai para rua, vai ser afastado, vai enfrentar processo. As pessoas têm que entender que mesmo que a gente fique indignado e queira demitir, tenho que cumprir a lei. Não posso demitir. São servidores concursados. Eu tenho que abrir processo, que foi o que fiz. Abri processo e ninguém mais faz esse tipo de coisa porque não terá a conivência que tinha antes com outros governos.
Folha Online - O segundo julgamento do Vitalmiro Bastos de Moura, acusado de mandar matar a missionária norte-americana Dorothy Stang, piora a imagem do Pará? O presidente Lula sancionou na semana passada mudanças na legislação que acabam com o julgamento automático para os condenados a mais de 20 anos de prisão, por exemplo.
Ana Júlia - Vamos entender que ele [Vitalmiro] foi julgado e condenado no primeiro a 30 anos de prisão. Infelizmente a legislação não tinha sido aprovada antes. Se tivesse, ele não teria o segundo julgamento. É verdade que isso é condenável, é vergonhoso. Isso mostra que nosso sistema de júri era absurdo. Tanto era absurdo que já acabou. Espero que possamos anular o segundo julgamento [do Vitalmiro]. Eu anularia, mas quem pode anular é a Justiça. Agora não cabe mais ao Estado. Eu abriria nova investigação com o maior prazer. Não posso abrir só por querer abrir. Não posso só assinar "vão lá investigar mais".
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