CLAUDIO ANGELO
Editor de Ciência da Folha de S.Paulo
O Brasil é um dos países que têm proporcionalmente menos territórios indígenas e áreas protegidas na Amazônia, segundo mapa que será publicado nesta semana por uma rede de 11 ONGs sul-americanas.
São 39,6% da Amazônia brasileira sob proteção na forma de terras indígenas e unidades de conservação de vários tipos, contra 56% da Amazônia colombiana, 79,7% da equatoriana e 71,5% da venezuelana. Somente o Peru destina uma proporção menor de sua selva às reservas florestais e às comunidades indígenas: 34,9%.
O mapa, produzido pela Raisg (Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada), é o primeiro a localizar as áreas protegidas e os territórios indígenas dos nove países amazônicos.
Considerando só este último quesito, o Brasil também fica atrás dos vizinhos: 50,6% da Amazônia colombiana, 25,7% da boliviana e 65% da equatoriana são indígenas.
Em números absolutos não há como comparar a extensão dessas terras com a fatia proporcionalmente menor sob proteção no Brasil --país que tem 64,3% da Amazônia. "Dos 3,2 milhões de quilômetros quadrados de áreas protegidas na Amazônia, 1,9 milhão estão no Brasil", diz o antropólogo Beto Ricardo, do ISA (Instituto Socioambiental), que coordenou a montagem do mapa.
Porém, o trabalho revela que alguns países da região têm mantido a sua porção amazônica razoavelmente protegida, o que, em alguns casos, significa uma proporção grande do território nacional.
Na Colômbia, por exemplo, toda a Amazônia (que representa 43,3% do país) é considerada "reserva florestal" -embora apenas 13% estejam efetivamente em áreas protegidas. São 240 mil quilômetros quadrados em terras indígenas.
A situação do Equador é ainda mais simbólica. As terras indígenas amazônicas reconhecidas pelo governo correspondem a 30% da área do país. No Brasil, todas as terras indígenas, somadas, respondem por 13% da área nacional, número que o ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) já disse considerar alto demais.
"No Equador, o processo de reconhecimento oficial de territórios indígenas na Amazônia é menos burocrático que no Brasil", diz Beto Ricardo. "A região é praticamente toda ocupada por povos indígenas e, ao reconhecer seus direitos, o governo já excluiu as propriedades privadas existentes."
Em outros países, como a Venezuela, o processo de demarcação das terras indígenas é mais atrasado. O governo venezuelano não reconhece as terras (nem mesmo a ianomâmi, demarcada e homologada desde os anos 1990 no lado brasileiro), denominando-as "zonas de ocupação indígena", sobrepostas a parques nacionais.
Como resultado, não existem dados oficiais sobre as terras indígenas no país, que acabam sob proteção menor. "O único mapa disponível era o do serviço de saúde indígena", diz Alicia Rolla, especialista em sensoriamento remoto do ISA.
A Amazônia é nossa
A melhor notícia do mapa é que, mesmo com 33 milhões de habitantes e 370 povos indígenas distribuídos por nove países com perfis econômicos diversos, a Amazônia possui 41,2% dos seus 7,8 milhões de quilômetros quadrados sob algum tipo de proteção.
Mesmo assim, 17% da floresta já tombou em toda a região, e ainda não existe um diagnóstico do que está acontecendo dentro de cada área protegida.
Na fronteira do Brasil com o Peru, por exemplo, há ação de madeireiros do lado peruano, apesar de haver um mosaico contínuo de áreas protegidas de ambos os lados. No Equador, empresas de petróleo (como a Petrobras) atuam em áreas indígenas e parques nacionais.
Segundo Ricardo, o mapeamento deverá ajudar a criar estratégias de conservação transfronteiriças. E ajuda a visualizar o impacto que decisões tomadas em um país podem ter sobre a floresta e as populações indígenas do vizinho.
"Esse mapa é uma contribuição para o ressignificado da expressão tão comum em cada país amazônico de que "a Amazônia é nossa". Afinal, não adianta, por exemplo, o Brasil proteger ou explorar os cursos médios das grandes bacias amazônicas sob o império da soberania nacional se as cabeceiras desses mesmos rios estão em países vizinhos."
O mapa poderá ser obtido a partir desta sexta-feira na internet (www.raisg.socioambiental.org).
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